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A Rádio no Contra Golpe Militar - 1964

A Importância da Radiodifusão Internacional no Contra Golpe Militar em 1964
Guerrilha do Araguaia
Fontes


A Importância da Radiodifusão Internacional no Contra Golpe Militar em 1964

O Contra Golpe Militar de 1964 é conhecido pelos eventos ocorridos em 31 de março de 1964 no Brasil, e que culminaram no dia 1 de abril de 1964, com um contra golpe de estado que encerrou o governo do presidente João Belchior Marques Goulart, também conhecido como Jango. Entre os militares brasileiros, o evento é designado como Revolução de 1964 ou Contra Revolução de 1964.

Jango havia sido democraticamente eleito vice-presidente pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) – na mesma eleição que conduziu Jânio da Silva Quadros do Partido Trabalhista Nacional (PTN) à presidência, apoiado pela União Democrática Nacional (UDN).

O contra golpe estabeleceu um regime alinhado politicamente aos Estados Unidos da América e acarretou profundas modificações na organização política do país, bem como na vida econômica e social. Todos os cinco presidentes militares que se sucederam desde então declararam-se herdeiros e continuadores da Revolução de 1964.

O regime militar durou até 1985, quando Tancredo Neves foi eleito, indiretamente, o primeiro presidente civil desde 1960. Apesar de não ter assumido a presidência após um grave problema de saúde que lhe tirou a vida, o atual e eterno senador José Sarney assumiu em seu lugar.

A partir desse contra golpe militar, a história já nos é bem conhecida. Os anos que a sucederam foram marcados por repressão as liberdades individuais, e combate aos terroristas que tentavam através das armas tentava implantar o regime da ditadura do proletariado. Os anos de chumbo como também foram conhecidos, foram marcados por atentados a bomba, seqüestro de diplomatas estrangeiros, assaltos a carros fortes e bancos, assim como movimentos terroristas que atacavam propriedades rurais com intuito de realizar uma "revolução" comunista aos moldes de Cuba e da então União Soviética.

E nesse contexto, a radiodifusão internacional em ondas curtas, representou um papel determinante para divulgar informações de forma independente e contrária aos interesses dos golpistas militares e seus aliados internos e também ao seu principal idealizador e patrocinador externo, que era os Estados Unidos.

Nesta época de auge da Guerra Fria, e no auge dos golpes militares sangrentos patrocinados pela CIA, a exemplo do que aconteceu no Chile em 1973, a radiodifusão internacional se consolidou como um instrumento na guerra ideológica de então.

Com a feroz censura imposta aos meios de comunicação brasileiros, além da auto-censura praticada pelas entidades que apoiaram o regime militar, a única fonte confiável de informação que restava era o noticiário e editoriais políticos transmitidos pelo rádio de ondas curtas dos outros países direta ou indiretamente envolvidos nos acontecimentos.

A Rádio Central de Moscou, fazia contraponto a então Rádio Voz da América, na polarização "Socialismo x Capitalismo", ou "Comunismo x Imperialismo". A outrora BBC de Londres que investia fortemente em programas em português para o Brasil, nos trazia informações até então isentas da propaganda militar dos golpistas de 1964.

Como as emissões de ondas curtas não podiam ser censuradas pelo regime militar, e mais importante, seus ouvintes não podiam ser rastreados e nem identificados, o rádio de ondas curtas e as emissoras internacionais representavam muitas vezes a única fonte de informação sobre o que acontecia em nosso próprio país.

Guerrilha do Araguaia

A Guerrilha do Araguaia foi um movimento guerrilheiro que se instalou na região amazônica, ao longo do rio Araguaia, entre fins da década de 1960 e a primeira metade da década de 1970. Criada pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), uma então dissidência armada do Partido Comunista Brasileiro (PCB), tinha como o objetivo fomentar uma revolução socialista, a ser iniciada no campo, baseado nas experiências vitoriosas da Revolução Cubana e da Revolução Chinesa.

Combatida pelo exército a partir de 1972, quando vários de seus integrantes já haviam se estabelecido na região há pelo menos seis anos, o palco das operações de combate entre a guerrilha e o Exército se deu onde os estados de Goiás, Pará e Maranhão faziam fronteira. Seu nome vem do fato de se localizar às margens do rio Araguaia, próximo às cidades de São Geraldo do Araguaia e Marabá no Pará e de Xambioá, no norte de Goiás (região onde atualmente é o norte do estado de Tocantins).

Estima-se que o movimento, que pretendia derrubar o governo militar, fomentando um levante da população, primeiro rural e depois urbana, e instalar um governo comunista no Brasil, era composto por cerca de oitenta guerrilheiros sendo que, destes, menos de vinte sobreviveram, entre eles, o ex-presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), José Genoíno, que foi detido pelo Exército em 1972, ainda na primeira fase das operações militares. A grande maioria dos combatentes, formada principalmente por ex-estudantes universitários e profissionais liberais, foi morta em combate na selva ou executada após sua prisão pelos militares, durante as operações finais, em 1973 e 1974. Mais de cinqüenta deles são considerados ainda hoje como desaparecidos políticos.

A história que se divulga no Brasil, era que a Guerrilha do Araguaia era desconhecida do restante do país à época em que ocorreu. Como havia forte censura aos meios de comunicação, os militares montaram uma cortina de silêncio e censura a que o movimento e as operações militares contra ela foram submetidos.

Porém, o que não é tão divulgado atualmente, até por desconhecimento da história da radiodifusão internacional, era que naquela época qualquer indivíduo de posse de um simples rádio de ondas curtas ao sintonizar as emissoras internacionais, em particular a Radio Tirana da Albânia, acompanhava os acontecimentos que eram divulgados pelos insurgentes.

Os detalhes sobre a guerrilha só começaram a aparecer cerca de vinte anos após sua extinção pelas Forças Armadas, já no período de redemocratização. E somente mais recente, apesar de toda a forte pressão dos militares e políticos que apóiam esconder os detalhes dos acontecimentos, a revista CARTA CAPITAL publicou de forma exclusiva a íntegra do diário de um dos líderes da Guerrilha do Araguaia, Maurício Grabois.


Da agência Pública. Foto: Livro "Operação Araguaia"
 

A destacar no diário de Maurício Grabois, são as citações da programação da Radio Tirana da Albânia, que eram facilmente sintonizadas na selva amazônica e noticiavam para o Brasil a existência da Guerrilha do Araguaia.

A seguir, alguns extratos do diário de Maurício Grabois, publicado com exclusividade pela Revista Carta Capital, que demonstram a importância fundamental da radiodifusão internacional para quem de alguma forma buscava informações relevantes sobre o cenário nacional e internacional deste importante período da história do Brasil e do mundo.

"Ontem à noite a Rádio Tirana deu uma breve notícia de nossa luta. Rompeu-se a cortina de silêncio que se estendia sobre os nossos combatentes. Temos a impressão que a notícia não foi enviada pelo P, mas que se filtrou através de uma agência telegráfica estrangeira. O noticiário tinha pouco conteúdo político e apresentava o movimento quase como espontâneo e ao lado de lutas de menor importância como a de S. Domingos do Capim e outras. Contudo, a notícia tem importância, pois muitos brasileiros ficam sabendo que no Brasil existe um movimento guerrilheiro de certa envergadura e que se subsiste há quase 40 dias. É necessário destacar o fato de que a guerrilha desperta grande simpatia entre as massas e a grande mobilização de tropas na Transamazônica e no Araguaia. Isso a Rádio Tirana assinalou. Estamos certos de que o noticiário dessa Rádio melhorará na medida em que o tempo correr e nós ampliarmos nossas ações.

É urgente o contato com o exterior. Estamos somente aguardando a volta do Pe para decidirmos o que fazer a respeito.

O Ju e o Ivo acabaram de sair para apanhar o resto dos bagulhos que ficaram no último acampamento, e o Jo também partiu para buscar uma rede para o Ju e outras coisas que aqui estão faltando.

21/5 – A Rádio Tirana voltou ontem a abordar a nossa luta. Difundiu uma nota sobrea ação das Forças Armadas no Norte do país. Deu destaque merecido ao assunto e o tratou de maneira política. Nota-se, agora, que os dados foram fornecidos por quem conhece os problemas daqui. Isso nos faz crer que o Cid conseguiu se safar, colheu informações e pôde transmiti-las aos amigos da Albânia. Para nós, o Cid em liberdade é um alívio.

Alimentamos esperança de tê-lo breve em nosso meio. Confirma-se nossa previsão de que a Rádio Tirana, com o correr do tempo, melhorará seu noticiário sobre a luta guerrilheira nas selvas do Araguaia. Com certeza irradiará o manifesto do MLP em Defesa do Povo e pelo Progresso do Interior.

(...)

A Rádio Tirana voltou a repetir a notícia da nossa luta. Precisamos enviar-lhe informações para alimentar o noticiário sobre a guerra de guerrilha no Araguaia. Logo que tivermos portador assim o faremos.

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Hoje a Rádio Tirana tratou novamente da nossa luta. Deu-lhe importância, mas não forneceu novos dados. Temos que enviar ao P informações, a fim de dar maior repercussão à luta na região do Araguaia.

(...)

Ontem a Rádio Tirana deu excelente notícia sobre a nossa luta. Nota-se que ela foi redigida por quem está por dentro da situação e conhece nossa preparação. Deve ser o Cid, que impedido de aqui chegar está nos ajudando de fora.

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13/6 – Ontem completou dois meses do início da luta. Mas continuamos sem novas notícias. Infelizmente não encontramos o Pe, pois o Ivo, que era o guia, perdeu o rumo.

Depois de vagar três dias na mata, regressamos, a duras penas, ao acampamento. Com certeza o Pe deve estar bastante preocupado. Agora nada podemos fazer senão aguardar o próximo contato.

A Rádio Tirana continua sem informações a nosso respeito. No dia 12, irradiou artigo publicado no “Bandeira Vermelha”, órgão do PC da Polônia (M-L), sobre o 50º aniversário e 10º da reorganização do PC do Brasil. Muito bom o seu conteúdo.

Lembramo-nos do simpático e combativo secretário do partido marxista-leninista polonês que conhecemos na Albânia. O artigo afirma que o exemplo dos comunistas brasileiros estimula a luta dos trabalhadores poloneses contra a ditadura revisionista. É uma lição de internacionalismo proletário e nos ajuda em nosso esforço para libertar o Brasil dos generais e do imperialismo norte-americano.

(...)

Ontem a Rádio Tirana tratou da espoliação da Amazônia. Matéria otimamente lançada. Soube ligar a situação desta região com a luta que travamos aqui. Embora não trouxesse novas informações a nosso respeito, o autor mostra que a libertação da Amazônia só pode ser conseguida pela luta armada, e nos apresentou como exemplo. Com novos dados, aquela emissora fará excelente propagada da luta que ora se desenvolve nas matas do Araguaia.

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A Rádio Tirana, que há muitos dias não falava da nossa luta, noticiou ontem que o L’Humanité Rouge, órgão do PC (ML) da França, publicou nota referente aos acontecimentos verificados aqui no Pará. Como introdução, fez um comentário sobre o nosso Partido, apresentando-o como defensor da luta armada para derrubar a ditadura. A Rádio Tirana continua sem notícias a nosso respeito. Por que os camaradas da cidade não as enviam? Se não sabem de nada, devem agitar, de qualquer maneira, o assunto. O inimigo nada dirá, por enquanto, sobre nós. Se ele não propala que nos derrotou, é indício claro e insofismável de que prosseguimos na luta. Por que não se publica o Manifesto de Libertação do Povo? Por que não se faz uma série de reportagens sobre a região? Por que as organizações de massa, como a UNE, não nos apoia? Por que não se fala de algumas figuras populares, como o Pretão, o Ju, a Preta e outros, que se encontram entre nós? Por que todo esse silêncio? Francamente, não compreendo. Será que a reação deu algum golpe na direção? Não creio

(...)

A Rádio Tirana voltou a abordar a nossa luta. Divulgou ótima reportagem enviada do Brasil, dando um quadro correto da situação, com informações precisas e encarando – o que é muito importante – o aspecto político das guerrilhas do Araguaia de maneira acertada.

Situou a resistência armada no Sul do Pará dentro da luta geral do povo brasileiro contra a ditadura. Deixou de lado a posição anterior de apresentar os fatos ocorridos na região como movimento exclusivamente camponês, minimizando-o ao coloca-lo no mesmo nível das lutas espontâneas que se verificaram em S. Domingos do Capim e em outros lugares. /de maneira hábil e nada sectária, mostrou que os levantes armados ocorridos em Marabá e S. Geraldo são um exemplo capaz de estimular a revolta geral dos brasileiros. Enfim, a reportagem ajuda nossa luta e esclarece a opinião pública do país sobre o que acontece nesta parte da Amazônia. Espero que os camaradas da cidade enviem novas matérias à Rádio Tirana, dêem publicidade ao manifesto do MLP e façam adequada cobertura política da ação revolucionária que aqui se verifica.

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A Rádio Tirana, no dia 2, irradiou artigo do Cid, tendo como centro os acontecimentos ocorridos no Sul do Pará. Matéria curta e muito boa. É um chamamento à luta. Encarou os fatos com grande amplitude e mostrou o sentido político de nossa resistência armada. Na primeira oportunidade discutiremos esse artigo em todos os DD. Também ficamos satisfeitos por estar o Cid são e salvo. A 3, a mesma rádio transmitiu a reportagem a respeito do relatório do Bispo de Marabá sobre os maus tratos ao padre Roberto e à Irmã Maria das Graças. Matéria excelente. O relatório, indiretamente, projeta a nossa luta nacionalmente e fora de nossa fronteira. A resistência armada, aqui no Araguaia, aguça contradições entre a ditadura militar e a Igreja Católica. Corajosa a atitude do Bispo. Este, em seu relatório, fala de guerrilheiros das regiões de S. Domingos e S. Geraldo e informa que um tal major Odon afirmara que o tenente Alfredo , que torturou os religiosos, estava nervoso e cansado por ter passado uma semana na mata. Ficará mais nervoso ainda porque terá que enfrentar por muito tempo os guerrilheiros na selva...

(...)

A Rádio Tirana deu rápida informação sobre a nossa luta, dizendo que causamos baixas ao inimigo e fizemos prisioneiros. A notícia é boa, mas a captura de soldados, ao que eu saiba, não é verdadeira. Aquela Rádio vem sempre abordando os acontecimentos do Sul do Pará (pela terceira vez irradiou o artigo do Cid) e nos ajudando grandemente. Seremos sempre gratos aos amigos albaneses.

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A Rádio Tirana ontem informou que a revista “Visão”, em editorial, comentou as lutas armadas no Pará e Mato Grosso. Teme o órgão de certos círculos financeiros dos Estados Unidos que tais lutas se ampliem. Embora não se refira especificamente à nossa guerrilha, nota-se que a revista norte-americana se preocupa com ela. É que a chama que acendemos pode provocar um grande incêndio por este vasto Brasil. Aquela Rádio há muitos dias não irradia nada sobre a luta armada no Sul do Pará. É evidente que estão sem notícias de nosso país.

(...)

31/7 – Hoje de manhã partiram o Joaq, Jo, Zezinho, Ivo e Ari. Faço os melhores votos que tenham êxito na tarefa. Eu e o Pe estamos sozinhos no acampamento. Ontem a Rádio Tirana transmitiu excelente matéria sobre o moderno “esquerdismo”. Esta matéria é parte de uma série de artigos teóricos que os albaneses vêm irradiando sobre as tendências estranhas e nocivas no momento operário. Em programas anteriores desmascararam o trotskismo e o anarquismo. Seria bom que tais artigos fossem desenvolvidos e divulgados em folhetos. O Movimento Comunista Internacional precisa enfrentas uma série de questões da atualidade. Sem elucidar tais problemas, os partidos marxistas-leninistas terão muita dificuldade para avançar e ganhar as massas para as justas posições revolucionárias.

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21/10 – Finalmente rompeu-se a cortina de censura sobre os acontecimentos do Araguaia. A Rádio Tirana transmitiu extratos de uma reportagem publicada em 24 de setembro pelo “O Estado de São Paulo” e pelo “Jornal da Tarde” sobre a guerrilha que tem lugar no Sul do Pará. A ditadura não pôde manter o pesado silêncio que baixara, a respeito dos choques armados verificados na selva amazônica. Trata-se de uma vitória do povo brasileiro. A repercussão alcançada pela ação guerrilheira, obrigou o governo dos militares a deixar que alguns jornais tratassem do assunto. A matéria publicada pelo “Estadão”, embora tendenciosa, é útil para nós. Tornou conhecida para novas camadas da população a nossa resistência armada à ditadura. Cuidou unicamente da área do DC, particularmente da situação em Xambioá e S. Geraldo. Deixou claro, porém, que não somos terroristas, mas sim guerrilheiros com profundas vinculações com as massas. Destacou os nomes de Paulo, Dina, Daniel, Antonio e Lúcia. Informa que o Daniel morreu, mas penso que houve confusão com o Jorge. Espero esclarecer a questão com informações do DC. A reportagem fala na mobilização de 5 mil homens, somente na zona entre Xambioá e Araguatins. Dá notícias da morte de um soldado do Regimento de Cavalaria de Guardas de Brasília. Deve ser o milico abatido no fustigamento do DB. Também a matéria do “Estadão” dá uma boa idéia do trabalho de massas realizado pelo DC e mostra que os guerrilheiros são pessoas radicadas há muito tempo na região.  Penso que a reportagem de página inteira de “O Estado de São Paulo” terá enorme influência em todos os setores da esquerda. Outros jornais, e também revistas, procurarão romper a censura sobre a ação das FF GG do Araguaia.

(...)

A emissão da Rádio Tirana, na faixa de 31 metros, está audível, enquanto na faixa de 42 metros – que sempre usamos – a interferência é absoluta. Felizmente continuamos ouvindo a voz do PTA e do nosso P.

(...)

Prossegue e interferência na Rádio Tirana. Domingo e Segunda-feira não ouvimos nada."

Enquanto os eventos no Araguaia se desenrolavam, com a intensificação da perseguição dos militares aos guerrilheiros, podemos observar a importância capital das diversas emissoras internacionais que transmitiam para o Brasil e cujos noticiários e editoriais apresentavam a conjuntura internacional, ideologias, e informações que afetavam direta ou indiretamente a vida política no Brasil.

Observem nos próximos extratos do diário de Maurício Grabois os comentários sobre os programas para o Brasil da então Rádio Pequim, hoje CRI - Rádio Internacional da China, e a ainda ativa Rádio Havana Cuba, que continua transmitindo para o Brasil em português. Outras emissoras do Leste Europeu além da Rádio Tirana, como a Rádio Bulgária, transmitiam para o Brasil e participaram ativamente na formação ideológica de uma pequena parcela culta da população, que a busca de informações sobre o próprio país, deslumbrava um novo mundo de cultura bastando utilizar um rádio de ondas curtas.

Podemos observar o papel fundamental das emissoras internacionais que transmitiam em português para o Brasil, como a Rádio Voz da América, Rádio Central de Moscou, hoje Voz da Rússia, Voz da Alemanha, Rádio França Internacional e outras descritas como "radio-emissoras estrangeiras".

"Há alguns dias a Rádio Tirana não se refere à nossa luta. Deve ser por falta de informações. A censura da ditadura e o cerco do inimigo em nossa região impedem, em grande medida, que as notícias cheguem ao P, ao povo e aos nossos amigos do exterior.

Mas isso é temporário. Com nossa atividade, acabaremos rompendo a pesada cortina do silêncio que os generais estenderam sobre nós. A reação, que tanto estardalhaço faz a qualquer ação dos “foquistas”, não dá um pio sobre os guerrilheiros do Araguaia. É o pavor que o exemplo destes guerrilheiros e a revolta se generalize pelo país inteiro. Falando sobre propaganda, não sabemos porque a Rádio Pequim ainda nada disse sobre as guerrilhas de nossa região. Certamente, melhor informada dará cobertura à nova frente de luta criada no Brasil. Também a Rádio Havana cala. Mas, esse silêncio é diferente.

Tem outras causas. Fidel nunca nos deu e nem dará colher de chá. Continua em posição revisionista, na qual se atola cada vez mais. O noticiário cubano sobre sua “transcendental” visita aos chamados países socialistas causa enjôo. Castro não se cansa de fazer rasgados elogios a consagrados oportunistas como Zhivkov da Bulgária, Kadar, da Hungria e Gierek, da Polônia.

Na capital húngara superou-se no palavreado inconseqüente, derramou em grande estilo sua verborragia. Recebeu dos revisionistas magiares a miniatura de um tanque e outros presentes. Atacado de calculada amnésia, esqueceu-se das indignadas palavras de Guevara, em seu diário na Bolívia, sobre os dirigentes da Hungria, ao comentar nota de um jornal oficial daquele país que chamava Che e seus companheiros de aventureiros e pespegava-lhes outros epítetos.

(...)

20/7 – Ivo e Ari partiram de manhã levando mensagem ao DA. Confio que façam boa viagem. Eles entregarão ao ZC a seguinte carta a ser encaminhada ao Bispo de Marabá:

Exmo Sr Bispo de Marabá

D. Estevão Cardoso de Avelar

Tomamos conhecimento, através de estações rádio-emissoras do estrangeiro, de sua atitude corajosa no triste e vergonhoso episódio dos maus tratos e torturas infligidos ao padre Roberto e à Irmã Maria das Graças por tropas do governo. O relatório apresentado por V Excia à Conferência Nacional dos Bispos, dando versão real, precisa e minuciosa sobre o ocorrido com aqueles religiosos revela uma personalidade independente que não se atemoriza diante da força bruta, nem se deixa abalar por pressões políticas.

(...)

As estações de rádio, a começar pela Voz da América, anunciam um próximo acordo de paz no Vietnã. Confesso que não entendo tal acordo. Aguardo sua assinatura para Ter uma idéia completa sobre o assunto.

(...)

As emissoras de rádio do estrangeiro, principalmente a Rádio e Televisão francesa, dão conta do crescimento da censura no Brasil. Três semanários estão sob completa censura: “Opinião”, “Pasquim” e “Politika”. Jornalistas são presos. Até o “Estadão” vê seus editoriais censurados. Em seu lugar publica receitas culinárias. Assim, a camarilha governante se isola cada vez mais. Ela vem semeando ventos.

(...)

Em compensação às nossas vicissitudes, soubemos, pela Voz da Alemanha, que agora é primavera. Aquela rádio transmitiu, então, a Sonata de Bethoven, para violino e piano, dedicada a este período do ano. Não deixou de ser um consolo ouvir, em plena selva e completamente extenuados, o “scherso” do genial compositor, descrevendo fora de seu estilo a alegria da estação florida de sua terra.

Durante a nossa acidentada viagem tomamos conhecimento, através da Rádio Tirana, que o ministro do Exército, o gorila e nazista Geisel, presidiu em Belém a formação de tropa especializada, de 10 mil homens, que será enviada à região do Araguaia para combater nossos guerrilheiros. Tudo indica que vem tempestade por aí. Mas não tememos o inimigo.

Esperamo-lo tranqüilamente. Possuímos um ano de experiência de luta na mata.

(...)

Também Prestes falou mais de meia hora na Rádio Moscou. Ele não quer ficar esquecido. Quer ser lembrado, nem que seja como locutor de rádio. Na oportunidade exaltou seus patrões do Kremlin. Assim paga o ócio sem dignidade em que vive na capital soviética.

Triste e melancólico fim de um ex-revolucionário que chegou a ser considerado o Cavaleiro da Esperança.

(...)

A Rádio Havana, em uma de suas emissões, afirmou que o Ministro da Agricultura, Cirne Lima, renunciara por discordar da política econômica da ditadura. Isto consta de uma carta que enviou a Médici. Tal fato mostra que se agravam as contradições nos arraiais dos governos militares.

(...)

A Voz da Alemanha, estação radiofônico do governo germano-ocidental, enaltece a visita de Leonid Brejnev à República Federal Alemã. Revisionistas e imperialistas estão afinados.

Enquanto isso, o PC da Alemanha, marxista-leninista, vem sendo perseguido. Escritórios foram varejados e dirigentes presos. Isso revela a verdadeira fisionomia dos social imperialistas soviéticos e dos revanchistas alemães, como Willy Brandt, Walter Scheel e cia.

(...)

As estações de rádio do país e do estrangeiro estão cheias de notícias sobre a guerra no Oriente Médio, irrompida há dez dias. A luta parece equilibrada. Os árabes, desta vez, mostram maior valor e capacidade militar. A política de distensão foi seriamente abalada. Aumentaram as contradições no cenário internacional e isso é favorável à nossa luta aqui no Araguaia."

A íntegra do diário pode ser acessada diretamente na página da Carta Capital ou aqui.

Fontes

Carta Capital - Publicação semanal de Mino Carta

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